sábado, junho 25, 2011

Zito, ou o presença de todo o futebol na ausência de um canhoto - Parte I


Solta a bola mais cedo, Helmer”. Da equipa técnica, só o Quinas é que lhe chama Helmer e muito de vez em quando e agora só o Quinas é que ressoa dentro da sua cabeça, dentro do carro, debaixo da chuva, fora do Complexo do Senhor Comendador, fora dali. “Solta a bola mais cedo”. Passa em frente ao ginásio, esquerda, segue. Foge da Penha, do bairro da Oliveira do Castelo, foge ao lateral direito, ao longe o Paço dos Duques e o Castelo, desce a Carlos Malheiro Dias como quem desce o flanco esquerdo, ao longe o Paço como linha de fundo.

O Fredrik está bem, e há o Edmilson, também, e o Ricardo, Helmer, sabes que o Jaime gosta do Ricardo, e o Vítor também” e o resto dos nomes, “e tu não tens estado por cá, Helmer, é complicado, e agora há o Branko e vem o N’Tsunda, o do Chaves, se colaborares, claro, se colaborares”, e no meio não há lugar, nem no meio nem na ponta nem em lado nenhum, nem no complexo do senhor comendador. Não há lugar na família Pimenta Machado, Helmer, continua a tarimbar com os dedos no tablier, desvia o olhar do Castelo, do Jaime, do Quinas, do Neno e do Freitas e mais atrás do Tito, do senhor Augusto a dizer que o Presidente viu ali no N’Tsunda um novo Basaúla, “tu sabes que há tradição, Zito”, o riso convulsivo do Valter Ferreira quatro anos antes, “tu não chegaste aqui agora, tu sabes”.

Vira à esquerda, começa a procurar lugar para estacionar, hoje é melhor não ir justamente até à porta do Dom Afonso Henriques. Recorda quando saltou para o campo em Alvalade, a multidão leonina galvanizada pela entrada de Juskowiack e o terror na cara de Taoufik, os gritos do Matias, o pedido de substituição após aquele golo, o terror os dentes cerrados de esperança, aquilo não era o Malveira, era o Vitória em Alvalade e um nome de guerra. E agora a guerra perdida, estacionar o carro e subir para o gabinete, estão à espera para fechar o acordo, à espera lá em cima, em Chaves, no Zaire.

Todos à espera menos ele, “mas tu, Helmer, tens 26 anos, levanta-me essa cabeça, deixa-te de merdas”. Cruza o hall de entrada, cumprimenta aquele gajo meio desconfiado e nervoso do Comércio de Guimaraes mas contraem-se as cordas vocais, não há som mas entre as têmporas o ruído é ensurdecedor, “a sério que ele me disse que esperava muito de ti, Zito”. E o resto é, para ele e para os demais, uma espessa neblina, das que inundam a cidade de esquecimento nas manhãs frias de Fevereiro.

Solta a bola mais cedo, Helmer” e é como sair de um treino sabendo que amanhã é folga para sempre. Direcção a Fafe, a caminho de Chaves, os olhos vítreos como os faróis de nevoeiro, e esse manto branco, pesado e que não deixa confirmar a lenda que, quando se vai do Vitória um grande, latejam de raiva as veias da estátua de Dom Afonso Primeiro.

1 comentário:

Anónimo disse...

Simplesmente brilhante...