O regresso implica, neste caso, um retorno à origem. A origem da bola lusa tal como a conhecemos reporta – como não? - aos desígnios originais da nação. A prolongada hibernação teórica esperou até ao momento de descoberta desse período e epicentro geográfico que descodificam, como se da Pedra da Roseta da redondinha se tratasse, o que é hoje o tal desporto a que os entendidos chamam futebol.
Voltar ao princípio, tal e como o entendemos, é voltar ao berço. O local de renascimento da bola é, afinal, o lugar essencial da fundação da país. Falamos, claro, de Guimarães, terra de estátuas metálicas do rei dito o primeiro, reconstruções de ruínas pela velha senhora (atenção à semelhança cromática entre o clube da terra e a vecchia signora de Turim) e covil de hooligans desalmados, entre outras delícias regionais.
Vitória foi o nome dado em 1922 à agremiação local num notável e paranormal prognóstico da única ocorrência deste género obtida pela sua categoria sénior do desporto-rei: a Supertaça Cândido de Oliveira, 66 anos mais tarde contra um Porto ainda bêbado da vitória no Ernst Happel. A única Vitória do Guimarães e a sua homenagem feita sessenta e tal anos antes – tantos quantos os anos do século XX que o país esperou até ver os patrícios subir ao pódio imaginário de um mundial de futebol - foi apenas o primeiro indício da propensão zandínguica associada ao clube. Há mais, claro, e esta dimensão de oráculo estende-se, atrevemo-nos a dizer, a todo o futebol europeu.
Agora, quando? O leitor não pode ser massacrado com a homérica tarefa de decifrar toda a história do clube em busca dessa temporada mítica que constitui a síntese da bola deste rectângulo. Não pode porque é uma chatice e, em boa verdade, nem sequer precisa porque a Caderneta tratou de fazê-lo por ele. Falamos da temporada que começou no Verão de 1993. Essa época, que acabou por ser o último campeonato ganho pelos rivais do Fófó desse século, que o clube do Campo Grande teve meia geração de ouro a ouvir traduções inglês-setubalense até se suicidar na neve de Salzburgo, e que nas Antas ainda não se conhecia a palavra penta mas em contrapartida Rui Filipe ainda era homem e não lenda, nessa época... o Guimarães fez história.
Nenhum outro clube em nenhuma outra época, de acordo com os registos recolhidos até à data, soube condensar tanto símbolo de passado, presente e futuro, num demónio de Laplace cujo resultado é, somente, o futebol tal como o conhecemos hoje.
Desde o homem que agarrou o braço de Luís Filipe e impediu um homicídio em pleno Estádio de Alvalade, bem recentemente, às velhas glórias da defesa, ao lateral português que vingou no estrangeiro sem que o estrangeiro se tivesse, de facto apercebido. Desde o protótipo do central canibal ao arquétipo do patrão de bigode, uma espécie de Humberto Coelho quase galego. Desde a actual dupla técnica do clube viscondal aos dois tipos de jogadores balcânicos, o que ficou conhecido além fronteiras por espalhar arte, valentia e psicose, e o que apenas ficou conhecido cá no burgo por espalhar discretamente as primeiras duas. Desde a incansável gazua africana ao involuntário epicentro da corrpução futebolística pós-quinhentinhos de Guímaro e pré-café com leite. Desde a jovem promessa dianteira lançada às feras com as quinas ao peito no Golfo Pérsico, ao mito cartaginês, avançado de faro e dimensão transahariana. Desde os primórdios ao obscuro desconhecido, pelas fronteiras do tempo. O berço tremeu por um ano e o destino ficou gravado para a eternidade.
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