sexta-feira, setembro 17, 2004

Comunicado da Caderneta da Bola S.A.D.: Eis-nos chegados ao doloroso momento de comunicar as conclusões da escaldante reunião de 17 horas seguidas na Torre da Caderneta que, felizmente, não terminou com portas e computadores partidos. A dolorosa conjuntura, a verrominosa cabala orquestrada progressivamente nos últimos meses, as sucessivas lesões e ausências no estrangeiro bem como a ascensão de Luís Pedrosa a treinador principal do Sport Comércio e Salgueiros (na linha dinástica de Carlão e Norton de Matos) levam-nos a repensar a nossa posição no seio da comunidade futebolística (sim, porque isso da comunidade bloguística é uma esfarrapada desculpa para falar de outras coisas que não bola). Afinal, de que campanha falamos, de que sinuoso e sistemático tecer de insídia nos defendemos em silêncio, longe das caixas de comentários e a resguardo do anonimato e da assumida ausência de links e fotografias neste vosso esmerado boletim? Vamos por pontos: o primeiro, gravíssimo, é o plágio de uma corriqueira publicação masculina num artigo referente a contratações falhadas dos três grandes. Trata-se da Revista Max Men, cuja linha editorial inclui uma rubrica futebolística justificada pelo monopólio masculino da modalidade, medieval retórica que desonra a arte plural da redondinha. Naquela edição, naquele trecho sobre Ivo "A Bala" Damas, como é conhecido cá em casa e não nos corredores desse Borda D'Água para yuppies, morreu um pouco de cada um de nós que ama o bem-tratar do esférico, o savoir faire do relvado. Segundo ponto, o súbito, inexplicável, desalmadamente fetichista revivalismo com as cadernetas de cromos. A Caderneta da Bola chama-se assim porque parte do objecto mítico para abrir a miríade de conceitos, episódios, pequenas histórias, fragmentos da cultura oral e escrita. Iconoclasta sim, mas não iconólatra. Mitológica mas não mitómana. O revivalismo que traz as cadernetas de cromos para a última página da revista de fim de semana do jornal Record, sumo pontificado de um jornalismo desportivo onde, já o dissemos, não nos revemos, é o elevar de um catálogo de nomes que importa explorar para lá do estilismo vintage à categoria de objecto fetiche, recuperando a importância dessas sazonais publicações ao invés da importância dos conteúdos que lhes consistem. O exemplo máximo desse fetichismo vazio é a referência do preço para coleccionadores. Não era isto que pretendíamos com o recuperar da terminologia cadernética. Terceito ponto, o lastimoso estado para que os responsáveis da bola corrida, lida e falada insistem em arrastar o futebol português. Desde a assustadora impunidade judicial dos testas-de-ferro da Liga de Clubes até à crescente migração de velhas glórias para o Médio Oriente e bacia do Nilo, desde a ausência de homenagens a Neno até à venda da estética futebolística ao ponta-de-lança arquitectónico do porno amador, e sobretudo a mera existência de José Romão, trazem-nos à boca o fel do presente face ao açucarado paladar do passado, quando aqui escrevemos. Em que nos estamos a tornar, para que servem todas estas letras? Convencemo-nos momentaneamente de que a esperança é a última a morrer, mas depressa nos lembramos de Luís Campos e as forças abandonam-nos. Quarto e último ponto, é o resultado de um balanço a dois, na intimidade do último andar da torre, um escrupuloso escrutinar de objectivos cumpridos e por cumprir, um rever de fontes bibliográficas, um balanço pessoal desta tremenda caminhada na savana verde. Nos últimos tempos, uma separação internacional fragmentou a Caderneta, uma transferência para um clube francês causou um certo mau-estar no balneário, com a equipa a perder consistência táctica. Agora, outra transferência se prepara, de novo para França, e consequemente, seria com grande amargura que veríamos a Caderneta arrastar-se durante mais uns meses no limbo das semi-promessas, dos semi-projectos, dos posts trimestrais, como chegou a acontecer, do escrever pela missão e chutando para canto contratempos pessoais. As sugestões de revisitação de plantéis são interessantes mas afiguram-se odisseias complicadas de levar a bom porto, não por falta de vontade, mas por falta de estabilidade académica, profissional e emocional para assegurar uma continuidade lógica. Aconteceu-nos com o Chaves e não foi bonito perder 4-3 no Estádio Municipal, depois de bem sucedidas goleadas em Leça e em Barcelos. Obriga o bom-senso que as carreiras bem sucedidas terminem em alta e, apesar de tudo, o partir sabe mais doce com a consciência do dever cumprido. O tempo é agora de reflexão, de refúgio, de telúrica contemplação, do apito final, e parafraseando o jovem da Cova da Piedade, o Luís Filipe, dizemos adeus... até que a bola nos necessite de novo. Um sincero obrigado a todos os amantes da bola, os que aí estiveram e não estiveram, e a todos que ainda acreditam que Gil tinha de facto 20 anos naquela tarde de 1991 ao pé do Colégio Militar. Hoje não levamos a bola para casa, fica aí para quem quiser continuar a jogar.

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