domingo, setembro 05, 2004

Parafraseando Rui Reininho, artista feito dessa estirpe que se julgava extinta para o futebol (dado, jogado e falado) desde que Jaime Magalhães pendurou as botas, também aqui na Caderneta da Bola apreciamos num homem o “drible curto”, também chamado, em apartes de pé de comentário pelos luctores como “o chamado drible curto”. Esta questão do “chamado” é assaz interessante porque sobreleva no discurso uma espécie de consenso em torno das divagações dessa nova escola profissional pós-Tovar & Ribeiro Cristóvão e porque se aplica impunemente a uma miríade de conceitos dispostos de uma forma mais caótica dos que as tácticas de Fernando Festas, como “o chamado folha seca” ou “o chamado chapéu de abas largas” (esta com a devida vénia a Rui Óscar). O “drible curto”, aqui com direito a entrada no Dicionário Português-Futebolês, não é mais do que uma finta de dois toques, seguido de arranque “em velocidade”. É uma expressão importante porque vive dos apêndices, da sua capacidade de desnovelar um relato futebolístico, uma vez que associado ao “drible curto” temos, geralmente, “a desmarcação”, “o arranque em velocidade” (pleonasmo tão incipiente quanto popular) ou “o pique” (quando o “arranque em velocidade” se transforma em “sprint”, ou seja, quando o “drible curto” é efectuado com sucesso, honra e distinção, e o adversário fica para trás). No relvado, o “drible curto” é vistoso porque é explosivo e, quando bem executado, inesperado e surpreendente. Os artífices desta arte podem não ser grandes prodígios de técnica, vide o caso de Zito, monumento ao “drible curto” lusófono, pirómano de serviço nas alas vimaranenses depois de Vítor Paneira, e um pouco por todo o lado, desde Belém a Chaves. Ainda assim, se no reportório, o intérprete trouxer a agora famosa “vírgula”, deliciosa técnica aperfeiçoada na cantera do Desportivo Domingos Sávio por Quaresma y sus muchachos antes do aplauso interfutebolário que merecerá num futuro distante algo mais do que umas linhas marginais, a diversão é garantida, o esférico é bem tratado e, sobretudo, salva-se o povo da tirania do lugar-comum que dita o jogador-criador como necessariamente circense. Advirta-se ainda que, numa cultura futebolística habituada ao “apontamento técnico”, o jogador com bom “drible curto” dependerá de mais do que a eficácia de umas quantas fintas para singrar, mas será sempre recompensado enquanto escolher essa opção: economiza tempo, estimula a circulação da bola entre os companheiros e, mais importante, não desperdiça com ninharias esse bem cada vez mais escasso que é o talento.

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