terça-feira, outubro 12, 2004

O post do regresso, por razões bem cá de casa, só podia ser motivado pela refundação da sucursal francesa Carnet du Ballon, isto é, um post sobre os interstícios entre as terras de Saint-Maur e cá o burgo afonsino. A honra histórica na diáspora para as boas terras da république du foot royal, análoga aliás a uma corrente migratória que desde a miséria salazarenta tem vindo a unir o hexágono ao rectângulo, obriga a incidir as torres de iluminação do estádio sobre as gárgulas luso-francesas que protegem o relvado sagrado. Já aqui falámos de um homem maior do que a vida, Jorge Plácido, que levou para Créteil todos os títulos possíveis e todo o talento de uma espécie dentro da mala de cartão; apraz-nos agora dedicar a pena à figura do filho da migração, o gaulês de sangue luso nas veias a pulsar vibrante contendo toda a força e coragem de quem deixou os seus em busca de um futuro melhor (ou de outra coisa qualquer). O futebol português conheceu vários exemplos do jogador emigrante de terceira geração, o futebolista de identidade fragmentada mas de futebol geralmente mais arguto e que por isso vinga onde outros vacilam. O lateral flaviense Patrick é disso exemplo, como o outrora grande promessa e esteio do meio-campo leonino Afonso Martins. Porém, se há que esboçar um arquétipo, se há que recuperar para a ribalta um nome que nada deva à la gloire, nenhum destes se pode orgulhar de ter sido realmente influente numa equipa campeã portuguesa, bem como de fazer boa figura numa Taça UEFA à moda antiga, como deve ser, em knock-out directo do princípio ao fim. Trata-se, claro, de William Quevedo, um distinto chavalier da ala esquerda do Boavistão, o do título, fiel escudeiro de Pacheco e seu futebol de la terreur e um autêntico jacobino nos cruzamentos para a área. Festejando aniversário no mesmo dia que uma caríssima amiga, William Quevedo nasceu a 8 de Maio de 1971, bem no coração do Languedoc-Roussillon, na cidade de Montpellier, e despontou para o futebol no Rodez, à altura na segunda divisão dos distritais, para, em 1995 ascender ao Valence, já na segunda divisão francesa. Sendo senhor fazer toda a ala esquerda, desde o lateral clássico ao médio volante, ou mesmo ponta, conforme as necessidades tácticas de l'entraîneur, foi sem surpresa que, ao longo de 26 jogos de sólida titularidade polvilhados com 3 golos, conquistou os responsáveis de Moreira de Cónegos, vila aliás prolixa fornecedora de arautos da diáspora portuguesa para terras de França. "Willy the kid", como é conhecido no meio futebolístico do Languedoc, ruma ao xadrez-verde onde faz uma temporada sensação, marcando 7 golos, jogando mais vezes a médio do que fazia em Valence e efectuando 28 partidas. Um jogador de futebol tão aguerrido quanto o seu sotaque, um estilo de jogo republicano, feito de arrancadas em velocidade e tabelinhas, que assentava, enfim, como uma luva, a um outro xadrez, o xadrez negro do Bessa. Para melhor ilustrar, a quem tiver menos fresca a memória, dir-se-ia um Martelinho bilingue e com mais poder de choque e competência a defender. Em 1997 passa assim a defender as cores boavisteiras durante 4 épocas com 67 jogos para a Liga, 4 golos e um título de Campeão Nacional. Cumprida que estava a missão no Bessa e duas lesões graves depois, o filho pródigo volta ao hexágono com um currículo mais respeitável e merecedor de um lugar num plantel do Championnat. É o Sochaux quem leva a melhor sobre a concorrência e o contrata por três anos para o lugar de lateral-esquerdo. Afinal, o titular Daf estava de partida para uma preenchida carreira na selecção senegalesa e havia que acautelar o futuro. Futuro esse que não sorriu por aí além a Quevedo, já que, se na primeira época cumpriu 12 jogos, na segunda cumpriu apenas um e rumou de seguida ao Sète, Fc Sète34, na costa mediterrânica do seu Languedoc natal, onde jogou, com a camisola 5, ao lado de Christophe Sanchez e, actualmente, do portento zairense Zico Tumba. Aí, ainda a contas com lesões esporádicas, fez 14 jogos e facturou duas vezes mas esta época, ainda no Sète, também conhecido como o Sporting do Hérault, devido ao equipamento bem evocativo do grémio de Alvalade, já fez sete jogos, um dos quais bem importante. Falamos, claro, da vitória contra o Ajaccio de Gaspar, produto defensivo do eixo Leça-Barcelos. Um percurso honesto de um trabalhador esforçado, operário e sempre impecavelmente cordial e menos violento que a maioria dos seus colegas boavisteiros. Ressalve-se, pois, quem soube fazer a diferença.

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