quarta-feira, outubro 13, 2004

Porque o futebol que é digno de registo e referência vai desenrolando o seu infinito novelo de fenómenos e petites histoires e a (quase) todos vai prurindo, sobretudo longe das manchetes dos diários desportivos e da sua gritante futilidade, interessa pois, aqui, agora que a ripresa esta ontologicamente efectivada, receber no peito a redondinha e dominá-la com um só toque, para em seguida efectuar um remate manichiano a 30 metros e procurar o ângulo de mais uma incursão nesse mesmo universo de fenómenos que tem assolado o futebolinho viriato. Sim, porque se o esferico entrar no meio da baliza, ou o redes defende ou entao nao ha espectáculo. Algo que certamente não passa ao lado do enfoque analítico do bolómano mais atento, e a esses pedimos desculpa por tão corriqueiro post, prende-se com a situação actual de duas equipas que há um par de anos atrás recebiam os chamados grandes bem como os respectivos cachets relativos a transmissões televisivas e agora se encontram numa situação verdadeiramente prostrante. Um deles é o representante futebolístico de charneira dessa região autónoma que serve de anfitriã a um bom quinhão das tropas bushescas a caminho do Iraque. Falamos, claro está, do Santa Clara. Esta certo que a sua ascenção meteórica da 2aB para a 1a apanhou os mais desatentos de surpresa, fruto de um irrepreensível trabalho dessa lenda leonina que numa tarde chuvosa de 1986 enviou 4 bolas para o fundo da baliza dos rivais da 2a circular, mas o facto dos açorianos ocuparem presentemente o ultimo lugar da Segunda Liga com 0 pontos em 5 jogos, atrás do Sp.Espinho, Felgueiras e Feirense, não pode deixar de causar alguma estupefacção. Aqui na Caderneta cremos que é uma questão facilmente explicada pelas mais elementares leis da física. Assim como no caso de Ivo Damas ou dos quasi-infinitos novos eusébios, a uma ascenção meteórica e repentina segue-se invariavelmente uma queda abrupta e dolorosa. E além disso estas ilhas não se encontram administradas por nenhum carnavalesco pai natal alcoólico que distribui dinheiros públicos a fundo perdido para sustentar salarios e compras de jogadores de primeira linha, como Herivelto, Dragan ou Heitor. O outro clube que também referimos é o mui-invicto e operário Sport Comercio e Salgueiros, de quem somos aqui profundos admiradores. E somo-lo, não só por sermos indefectíveis do futebolismo dialéctico, entendido aqui como o motor que cataliza a luta de classes dentro das quatro linhas, não so por o clube de paranhos nos ter dado a conhecer Vinha e Milovac, mas tambem por uma questão de solidariedade para com uma massa associativa que ao olhar para a cadeira presidencial verificou durante anos, ate à ultima gloriosa Assembleia Geral Extraordinaria, que esta se encontrava ocupada por Jose Antonio Linhares, personalidade para a qual não conseguimos encontrar adjectivos. A alma salgueirista foi sendo lenta e barbaramante apunhalada ao longo dos anos, quer pelo seboso presidente (afinal até conseguimos...), quer por uma linha dinástica no banco que começou em Carlão, passou por Norton de Matos e chegou finalmente a Luis Pedrosa. O resultado: o ultimo lugar na 2a divisao B, também com 0 pontos, e atrás de clubes como o Valenciano ou o Vilanovense. Entre faltas de pagamentos, malabarismos financeiros, gritos de "perseguição!" e harakirescas opções tecnicas, o mui nobre terceiro clube portuense arrasta-se penosamente para contextos que não merece e aos quais definitivamente não pertence. Se pensarmos que o presente imita o passado, é bom que se atente ao exemplo do Tirsense, que em meia década conseguiu a, até à data, inédita proeza de descer da divisão maior até às divisoes distritais em épocas consecutivas, tendo que recorrer a campanhas de angariação de fundos nas quais participou de forma altruísta o presidente do actual campeao europeu de clubes. No que diz respeito ao Tirsense, uma palavra de respeito e admiração para com o guardiao Best, que acompanhou todo este dantesco trajecto, e ao histórico internacional A, peça chave no único titulo da nossa selecçao sénior, Caetano, que até chegou a presidente da colectividade. Para o Santa Clara e para o Salgueiros, a dura realidade presente deve servir, pelo menos, para despoletar um processo analítico que sirva para estancar um definhamento que urge travar. O exemplo vindo de Sto. Tirso está aí, para quem o quiser ver. Quem escolher ignorá-lo e pôr os olhos no chão, poderá deixar de ver os pés que pisam o reluzente e secular verde sagrado, substituído pela aridez e rudeza de um vulgar pelado...

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