sábado, setembro 20, 2003

Aqueles que, sensatos, têm acompanhado o Terceiro Anel, constataram (emocionados, por certo) que estes sempre vossos partilham a odisseia historiográfica em duas mãos, uma aqui e outra lá mesmo - http://terceiroanel.blogspot.com . E é com profunda emoção e redobrada motivação que vemos expandir-se a ânsia do conhecimento e o número de pintores desta 'arte geométrica'. Bola para a frente.
O percurso historiográfico pelo Marão começa a revelar-se uma dor de cabeça, tal é a riqueza do plantel. Com efeito, desde os primórdios que a memória é a mais profícua fonte humana de surpresas e acreditem que mergulhar na memória até ao fundo para resgatar o Chaves tem tanto de doce como de conflituoso. Vêm estas linhas tentar justificar o facto de, depois de fechado o capítulo da defesa, e já em plena lavra de meio-campo, regressarmos à rectaguarda para dar conta de uma figura absolutamente imprescindível nos compêndios da bola transmontana. Ponderámos muito, sim, mas chegámos à conclusão que Denis Putnik merecia um memorial. Breve, mas suficientemente simbólico para o recordarmos como um dos esteios dessa agressiva transnacionalidade que tem feito do Municipal de Chaves esse campo de tiro que tão bem conhecemos. Denis Putnik, portentoso defensor, chega a Chaves com o título de campeão croata pelo Hajduk Split, à altura (93/94) com uma autêntica dream team (Milan Rapajic e Ivica Mornar no ataque, Balajic - "trabalho para ser melhor que o Maldini", disse um dia à chegada a Alvalade - e Buturovic - o nemésis de Secretário - na defesa). Alto, forte e espadaúdo, era a sombra onde Manuel Correia era a luz, era o gelo onde N'Dong era o fogo, era o rasto enlameado do atleta adversário. Apesar de apenas 3 jogos na época croata, chegou a Chaves para pegar de estaca e fazer, em duas épocas, cerca de 57 jogos e 3 golos, seguindo depois para... Leça. (é verdade, a Caderneta já lá andou!) Uma descoberta feliz de um dos mui obscuros agentes-fífia que pululam por esse Portugal fora, um homem recto e respeitado pela torcida (fontes bem informadas da Caderneta da Bola poderão vir, no futuro, a contribuir com curta prosa sobre a única claque organizada do Desportivo de Chaves, prestai atenção - ou talvez não), mas ainda assim, um incansável indutor de calafrios. Enfim, depois da curta abordagem aos guarda-redes, quem o pode censurar?

quinta-feira, setembro 18, 2003

Um pequeno interlúdio informativo na travessia blaugrana para uns quantos agradecimentos e umas declarações à imprensa. A Caderneta tem-se apercebido, com algum agrado, de que há cada vez mais adeptos a preencher as bancadas do nosso recinto, qual Estádio Diogo José Gomes nesse Sunday Bloody Sunday em que o Odivelas FC abateu, com um só tiro, o Salgueiros num duelo da Taça de Portugal. Serve a ilustração para registar uma curiosa analogia, entre o acréscimo de público e a emergência dos valores individuais no trato do esférico: tal como a sensacional façanha do modesto Odivelas FC foi meticulosamente orquestrada pelos pés de um homem cujo valor seria reconhecido anos mais tarde por esses relvados fora, Paulo Vida, também na agradecida Caderneta, coincidem os elogios e o aumento de visitas com a emergência dos mitos flavienses e a estreia a titular do virtuoso Rui Malheiro. De resto, o agradecimento às referências elogiosas e às palavras da massa associativa, que entre confusões de identidade e de heroísmos de anonimato (não o era também Kumba Ialá nos seus dois anos de futebol algarvio, afinal?), vai envergando com brio a camisola 12. E já a seguir, prossegue-se no porta-Chaves, com mais umas considerações sobre a escola luso-brasileira de comentarismo desportivo pelo meio. Ripa na rapaqueca.

sexta-feira, setembro 12, 2003

Só que o pior, o pior veio depois. Milinkovic decide abandonar a amada Chaves, rumando até território espanhol, criando um vazio na famosa e mítica posição "10". O filão "ex-jugoslavo" - expressão muito cara aos dirigentes portugueses nos 90's - era a solução desejada e a cassete milagrosa lá chegou às mãos de Álvaro Magalhães que lutava com unhas - ele até tem onze nas mãos - e dentes pela manutenção. Matic. Ivan Matic. O seu nome começado por "M", acabado em "ic", aproximava-o de MilinkovIC, assim como a sua respeitosa envergadura física (1,85/83), pois para "cérebros tarrecos" lá chegaria o tempo do ex-Celta, Carlos Alvarez. O sempre prestável presidente Luis Carneiro até terá mesmo confessado, a propósito da aquisição de Matic, que "este até tem um nome mais fácil de dizer que o outro". A camisola "10" estava entregue então a Ivan Matic, um ex-Hadjuk Split, mas pouco. Pouco? Pois, é que em Split poucos se lembrarão de o ter visto actuar com a camisola mais amada da mui bela cidade croata que viu nascer, em Abril de 1971, tão cerebral rebento. Infelizmente para as cores flavienses, cedo se percebeu que Matic, o Ivan no balneário, estava bem distante do Niko, o marido de uma campeã de basquete jugoslava. Matic até era canhoto, mas desde logo os "índios" flavienses começaram a usar expressões como "este é mais lento que a minha falecida avózinha". Que Deus a tenha em paz e sossego. Matic era defacto lento. Sem velocidade, sem chama e sem talento. Do seu pé esquerdo nem um golo saiu para amostra em duas temporadas e foi-se arrastando lentamente até à dispensa em direcção aos Açores, ao Operário. Mas operariado e Matic realmente não combinavam. Matic nunca foi homem de correr atrás da bola, mas, em abono da verdade, também nunca teve tempo para correr com a bola. Era tudo uma questão de desarme, de pressão e o bom do Matic lá ficava a ver os navios passar. Desconhecemos se terá regressado à sua Croácia de navio, no entanto, sabemos que andou a arrastar-se, pós-Operário, em clubes da dimensão de um NK Posusje e de um NK Marsonia, clube pelo qual - pasme-se! - apontou 4 golos, mas também deixou marcas do seu mau feitio, com alguns cartões vermelhos a serem-lhe exibidos. Esse facto ter-lhe-á valido a dispensa e, segundo o que conseguimos apurar, o bom do Ivan, aos 32 anos, anda a procurar clube. À atenção, é claro, de alguns clubes da 2ªB e 3ª Divisão portuguesas que ainda procurem um estrateg"ic".

terça-feira, setembro 09, 2003

Finda por ora o périplo pela defensiva flaviense, não sem antes uma palavra de apreço a dois homens que em muito contribuíram para o Chaves ser aquilo que é hoje. São eles Patrick - não confundir com o médio Patrick Vaz (rebento de cópula luso-francesa, a outra face, figurativamente falando, claro, de uma moeda boavisteira chamada Quevedo) - e Vinagre. Estes dois jogadores 'eternamente jovens' foram e serão os expoentes da vaga de laterais rápidos que um dia pôs fim ao primado de stoppers fecha-bem-a-ala de fidalgos como Amarildo, por exemplo. Para estes dois, o campo adversário era sempre a descer, como quem desce a serra do Marão de bicicleta, ou como quem aprende a conduzir no IP5, quando vai dar passeios ao Sul. Enfim, como o tempo não existe, também não é a propósito destes dois bravos rapazes que o vamos inventar. Até porque adiante vem o Almirante Toniño, centro-campista e estratega de proa na Invencível Armada Espanhola que em tempos dominou airosa a terra Chaves.
Prosseguindo na flávia odisseia, eis-nos defronte de Parfait N'Dong. Excelso sapador gabonês, este portento é o protótipo do 'homem sem passado'. Nem a companhia, nunca confirmada além dos confins dos cafés do interior e do peão dos estádios secundários, do seu irmão N'Zé N'Dong ajuda a conferir a N'Dong (denominado em diversas sedes como apenas Parfait, numa curiosa acepção francófona do seu estilo de jogo) um carácter familiar, próximo, duradouro no tempo, uma carreira, até uma família, que certamente a terá. 'Homem sem passado' porque mesmo uma aturada busca nos registos cadernéticos é escassa para traçar a Parfait um percurso que vá além de 4 clubes em Portugal, o mais eminente dos quais o nosso GDC. 'Homem sem passado' porque Parfait N'Dong pura e simplesmente apareceu. Não veio de um clube, não granjeou uma fama de qualquer espécie, nada. Apareceu. Talvez fosse boa ideia inquirir os dirigentes do Amora que com ele assinaram contrato, no vetusto ano de 1994. Nessa época, o Shaka Zulu da Retranca alinhou em 21 jogos de camisola azul, manchando o prémio da montanha com uns indisputáveis 11 cartões amarelos e 1 vermelho. Em Novembro de 1995 assina pelo Maia, vergando os ímpetos à insustentável leveza da tutela de Vieira de Carvalho. Os 6 cartões amarelos em 22 jogos são afinal, a prova da brandura crescente. É depois da Maia que o guerreiro chega a Chaves. Em Chaves, caros leitores, Parfait faz 17 jogos em 2 épocas na 1ª Divisão. 9 cartões amarelos, ao todo. 17 jogos e a imortalidade no panteão flaviense aqui erigido? Mas por que carrinho a pés juntos é que alguém se lembra disto? Simples. O Chaves é, como Parfait, um clube cuja história pública é marcada pelo vazio, pelos hiatos. Também o Chaves, como Parfait, parece não existir quando não está no escalão principal ou a jogar contra um grande na Taça de Portugal. Também o Chaves encerra na sua tumba futebolística tesouros e mistérios, fantasistas bipolares como Milinkovic, heróis de pé face aos vendavais da bola como Paulo Alexandre, máquinas goleadoras como Matute. Uma tumba obscura e por resgatar, escondida como o Gabão se esconde atrás de um continente aos olhos portugueses. Parfait, longe de ser perfeito, era um garboso defensor. Um 'homem sem passado' (e cujo futuro foi, depois de Chaves, o Penafiel e depois a penumbra, de novo) não tem nada a perder e N'Dong nunca perdia nada além dos jogos e dos rins, de vez em quando. Um jogador duríssimo, inexpressivo, um toque de bola que a impiedosa escola de comentaristas lusitrastes se habituou a alcunhar de exótico (com toda a carga etnocêntrica que lhe subjaz) e, no entanto, um retrato fiel de toda a história de um clube. Uma história que, mesmo aos olhos dos homens que fazem esse mesmo clube, ele não tem. E no entanto, não é preciso grande esforço para recordar a absoluta e ingénua ausência de medo neste defensor, e perceber rapidamente como, apesar do espécimen ser um jogador vulgar, constituir esse um dos traços mais raros da bola actual.