segunda-feira, dezembro 10, 2007

O grande interesse desta abordagem comparada é realçar o facto de Guimarães ter sido, naquele ano, a antecâmara de dois arquétipos de carreira de um defesa lateral: por um lado a discreta até ao topo do futebol mundial, camuflando com um currículo aparentemente imaculado uma mediania que, de tão constante e regular em tantos relvados diferentes, se torna singular e digna de registo; e por outro a discreta carreira até à encruzilhada e a dúvida entre triunfar num grande ou sucumbir a essa mesma grandeza até acabar por resvalar para duelos épicos na divisão de honra. Depois de várias noites a esgrimir a giz algumas hipóteses na ardósia do nosso balneário, a Caderneta está em condições de fornecer algumas explicações para essa diferença tão radical e de natureza tão transcendente a ambos, demonstrando uma vez mais o quão importante foram esses 9 meses na cidade-berço para entender a bola tal como a temos hoje.
O primeiro aspecto é, obviamente, o mais superficial e tangível de todos: o rebuscado apadrinhamento do benjamim Marques Teixeira no hemisfério sul deu-lhe um nome que nenhum outro jogador do hemisfério norte ostentou com relevo numa divisão cimeira de algum país, seja ele eslavo ou latino. Da Reboleira ao Minho, Dimas vem no dicionário como "defesa esquerdo vulgaris de Lineu" antes do "honrado ladrão que deu guarida à sagrada família" e que inscreveu o nome próprio nos anais da história. Por outro lado, Joaquim Alberto Machado é sangue anónimo, a mais importante substância das massas e multidões que afinal, movem a história. Na bola, é um nome que se desmultiplica de forma arredia, como o temperamento de Sérgio Gameiro, ou camaleónica, como uma exibição de Prokopenko. Acima referimos a confusão que seria se Quim Berto tivesse mantido a fórmula "nome e apelido", e o injusto fardo que teria carregado ao apresentar a mesma designação que o gurú de Santo Tirso, Quim Machado.
E também não é por acaso que outro célebre Joaquim Alberto da bola autóctone adoptou um nome de guerra que ainda hoje faz tremer os ferros de algumas balizas do Ribatejo ao Douro Litoral. Falamos, obviamente, de Quinzinho, avançado indomável que, contratado por uma associação desportiva da zona das Antas, deixou pegadas de lenda no Estádio dos Arcos tendo chegado mesmo a ser treinado, na viragem do milénio, por um então desconhecido Juande Ramos no Raio do madrileno bairro de Vallecas. Talvez um dia decante esta vossa publicação servidora algumas linhas sobre esse personagem vanguardista que ousou ser Mantorras antes de Mantorras.

terça-feira, dezembro 04, 2007

Parece tarefa impossível ensaiar qualquer tipo de explicação cósmica sobre o papel do Vitória de Guimarães de 1993/1994 nesse mecanismo misterioso que a máquina da bola sem invocar as bases da Teoria do Caos. Diz o enunciado do efeito borboleta que o bater das asas de uma borboleta em Tóquio pode provocar, numa cadeia de pequenas relações causa-efeito, um tsunami no Golfo do México. Futebolisticamente falando, isto equivale a dizer que simples acto de dar, em 1969 e a um recém-nascido em Joanesburgo, o nome do bandido palestino que protegeu José e Maria da fúria de Herodes na noite do nascimento de Cristo, pode estar relacionado com uma sequência de slaloms na meia direita do serra-leonês Sessay, abrindo caminho para uma empolgante exibição de um franzino minhoto em Castelo Branco, circa 1992. Estes dois eventos passariam despercebidos no curso da vida da Bola se não fossem eles também outro bater de asas de mariposa que originou, em Guimarães, dois históricos tsunamis nas alas da defesa, um ano depois.
Esta abordagem comparada não significa, no entanto, que ambas figuras possam ser consideradas aço da mesma armadura. Pelo contrário, são uma representação exacta de dois trajectos e duas configurações físicas e tácticas tão típicas quanto opostas, e de como a simetria e uma mesma condição de escudeiros de nomeada nas batalhas do Afonso Henriques possam levar a caminhos tão distintos como o Panteão e o Esquecimento – ambas entidades uma sepultura injusta para a memória de cada um destes jogadores. Falamos, claro, de Dimas Manuel Texeira, que viveu em Guimarães um mandeliano exílio regenerador para depois abraçar a glória mundial qual Berardo do flanco esquerdo; e de Joaquim Alberto Machado, conhecido no futebol português como Quim Berto (e não como Quim Machado, para não se confundir com a lenda de Santo Tirso, também ele defensor vimaranense na temporada anterior à sua chegada, e figura de singular proeminência no futebol mundial, ao tentar ressuscitar, mais tarde e como treinador, duas entidades defuntas no universo futebolístico internacional: o futebol luxemburguês e o Tirsense).